DEGEO

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8 de ago. de 2011

GÊNERO, SEGREGAÇÃO E POBREZA URBANA EM CRATO-CE


Thiago Alves Duarte*
Antonio José de Souza jr.*

Introdução


Importantes entidades internacionais já defenderam a idéia de que uma parcela crescente das vítimas da pobreza é composta de mulheres. O uso do conceito gênero trata, assim de dar conta dessa vivência diferenciada das mulheres e homens na vida econômica e social e particularmente enriquece a análise do fenômeno da pobreza, porque permite entendê-lo como um processo.
Desta forma a hipótese explorada neste estudo é de que existem fatores de gênero que incidem com maior ou menor peso na vida das mulheres e homens, mas que para as mulheres este fardo é mais pesado, pois, elas reúnem duas fragilidades: ser mulher e ser pobre.
As relações de gênero têm-se pautado pela crescente “Feminização da Pobreza”, pois levantamentos oficiais e estudos acadêmicos têm revelado que as mulheres apresentam taxas mais elevadas nos termos da pobreza ora absoluta, ora relativa; seja primária, seja secundária. Uma das maiores agressões manifesta neste contexto, é mensurada pelo IDG (medida de desenvolvimento humano ajustado à desigualdade de gênero) que conduz a intensidade da pobreza como sendo maior entre as mulheres, mesmo em circunstâncias sociais similares.
Não se pode esquecer também que o Brasil é hoje um país predominantemente urbano, com assustadores níveis de exclusão social e de pobreza, o que torna mais urgente encarar essa discussão com o grau de relevância necessária.
A expansão urbana tem se apoiado numa sociedade com distribuição de renda bastante desigual. A pobreza aparece, então, como um fenômeno generalizado, principalmente, nas regiões metropolitanas – ainda que de forma diferenciada entre o nordeste e o sul do país – revelando de maneira indiscutível as desigualdades sociais (Santos 1996).
Esse contexto de pobreza e desigualdades faz surgir segmentos excluídos da ordem social, os socialmente segregados, sem acesso aos serviços básicos de infraestrutura urbana, acesso limitado aos serviços sociais, como saúde e educação, e acesso marginal ao mercado de trabalho (Caiado, 1988).
Dessa forma, nos propomos a tratar, nesse trabalho, de pensar nas diversas e rearticuladas formas de vivência familiar baseadas na figura feminina, em espaços sociais segregados/de exclusão, a partir da compreensão da cidade do Crato-ce, onde a produção e reprodução das relações sócio-espaciais desiguais são resultantes do processo de sua estruturação urbana determinada por fatores econômicos, sociais e políticos.
O trabalho foi elaborado seguindo 02 (duas) etapas que começaram com levantamentos bibliográficos acerca de dados sobre o município em questão e acerca de dados sobre o referencial teórico abordado. A segunda etapa da pesquisa constou os levantamentos de campo, que se caracteriza como uma etapa de fundamental importância, uma vez que é muito interessante para o trabalho constatar a veracidade das informações obtidas. Dentro dessa segunda etapa, foram elaboradas entrevistas, com os moradores dos bairros, Seminário, Gizélia Pinheiro e Sossego do município do Crato.
Considerando assim as diversas e significativas modificações, nesses espaços, no que concerne às relações de gênero e principalmente em relação às figuras femininas e suas vivências nessas famílias e espaços sociais.

A Feminização da Pobreza

Em todo o Brasil, no campo e na cidade, cresce cada vez mais o número de lares sustentados exclusivamente por mulheres. Elas, no entanto, continuam ganhando menos que os homens e enfrentando quase sempre sozinhas o desafio de conciliar maternidade, emprego e atividades domésticas.
Nesse contexto, desenvolve-se uma nova realidade encarada como um dos principais desafios deste milênio para os formuladores de políticas públicas: a feminização da pobreza.
A definição precisa da feminização da pobreza depende de duas questões subsidiárias: o que é pobreza? E o que é feminização? A pobreza é uma falta de recursos, capacidades ou liberdades que comumente são chamadas de dimensões da pobreza.
O termo “feminização” pode ser usado para indicar uma mudança com viés de gênero em qualquer destas dimensões. A feminização é uma ação, um processo de se tornar mais feminina. Neste caso, “feminina” significa “mais comum ou intensa entre as mulheres ou domicílios chefiados por mulheres”.
As relações de gênero são essencialmente constituídas socialmente e serão entendidas diferentemente e terão diferentes expressões em diferentes cenários socioculturais. Além disso, embora as diferenças nas condições materiais de rendimento e bens, entre homens e mulheres, sejam uma parte importante da feminização da pobreza em Crato-ce, esta também envolve questões relacionadas com a falta de voz ativa e de poder em relação às instituições da sociedade e do estado, vulnerabilidade perante situações adversas e a capacidade de enfrentá-las através de relações sociais e das instituições legais.

Segregação Sócio-Espacial
A Evolução do Conceito

Pensar o urbano através da organização espacial das classes sociais nos reporta a inúmeros problemas de ordem social, econômica, política e ideológica. Dentre eles, destacam-se: pobreza, miséria, violência, degradação ambiental e social, exclusão, desemprego, falta de moradia, favelização, periferização, segregação, insuficiência de transporte adequado, entre outros.
A complexidade da sociedade atual face à questão da habitação leva-nos a buscar entender a produção e a separação entre as classes sociais nas cidades, separação esta não só espacial como também, social. Como por exemplo, através da renda, do tipo de ocupação e do nível educacional.
É a camada de mais alta renda que, ao consumir e valorizar de forma diferenciada o espaço urbano produz a segregação sócio-espacial. É preciso ressaltar que é a existência da segregação sócio-espacial que permite à classe dominante continuar a dominar o espaço produzido, segundo seus interesses. Somente a separação das classes sociais no espaço pode agir como um instrumento de poder para a classe alta.
A questão da segregação urbana tem uma longa tradição na história da sociedade, pois, desde a antiguidade, a sociedade já conhecia formas urbanas de segregação sócio-espacial. Cidades gregas, romanas, chinesas possuíam divisões definidas social, política ou economicamente.
O padrão mais conhecido de segregação é o centro x periferia, seguindo uma organização em círculos concêntricos. Segundo esse modelo, as classes sociais mais ricas ficariam nas áreas mais centrais dotadas de infraestrutura e com maiores preços, e as classes pobres ficariam relegadas às periferias distantes e desprovidas de equipamentos e serviços.
A maioria das cidades brasileiras é abarcada por locais privilegiados por infraestrutura completa (geralmente o centro), por exemplo, e uma “periferia” permeada por condições precárias de moradia e infraestrutura, ou seja, as camadas de mais alta renda procuram se localizar em áreas com boa acessibilidade ao centro principal e, ao fazê-lo, pioram a acessibilidade das outras áreas. Guimarães (2005, et al) vai mais além nesta discussão quando destaca o problema da pobreza urbana no Brasil e a necessidade de se compreender os novos significados da vida urbana e dos processos geradores da pobreza e exclusão social. Em Crato-ce podem ser percebidas tais características. Existindo assim uma correspondência entre a situação de mulheres chefes de família de baixa renda com tais processos excludente.
CARACTERIZAÇÃO DA AREA DE ESTUDO

Crato é um município brasileiro do interior do estado do Ceará. Localiza-se no sopé da Chapada do Araripe no extremo-sul do estado e na Microrregião do Cariri, integrante da Região Metropolitana do Cariri.
Fronteira com o estado de Pernambuco, a cidade situa-se no Cariri Cearense, conhecido por muitos como o "Oásis do Sertão". É a segunda cidade mais importante do Cariri em termos econômicos depois de Juazeiro do Norte, constituindo também um entroncamento rodoviário que a interliga ao Piauí, Paraíba e Pernambuco, além da capital do Ceará, Fortaleza.


Indicadores Demográficos do Município do Crato - Ceará - 2010.

População total
População urbana
População rural
Taxa de urbanização
Densidade demográfica
Nº de Homens
Nº de Mulheres
Razão de sexo
121452
100937

20525
83,10
120,35
57632
63830
90,29
ASPECTOS DEMOGRÁFICOS E SOCIAIS

Fonte: Censos Demográficos do IBGE, 2010. Elaboração: IPECE.
        
A mulher e o contexto urbano

As relações entre homens e mulheres, ao longo dos séculos, mantêm caráter excludente. São assimiladas de forma bipolarizada, sendo designada à mulher a condição de inferior, que tem sido reproduzida pela maioria dos formadores de opinião e dos que ocupam as esferas de poder na sociedade.
Descrição: 509px-Ceara_Municip_Crato_svg.pngA centralidade da mulher na família é um fator inquestionável, conforme nos mostram as análises de gênero, pois vêm definindo o protagonismo da mulher na administração da escassez nos grupos domésticos de baixa renda, orientando sua ação no sentido de planejamento e execução de um conjunto de estratégias em torno de condições de subsistência mais favoráveis para sua família. No desempenho desse papel, as mulheres articulam redes de parentesco e apoio mais amplos, que significam não apenas a mobilização de recursos materiais, mas, inclusive, a integração dos membros da família a novas oportunidades de trabalho.
Assim, as relações de gênero têm perpetuado uma desigual distribuição dos esforços cotidianos em torno da reprodução das condições de subsistência das famílias, especialmente daquelas relativas ao chamado mundo privado, o que faz com que as mulheres sejam, senão as únicas, as principais responsáveis pelo trabalho doméstico. Portanto, estas se tornam as maiores prejudicadas diante da precariedade dos serviços públicos voltados para a satisfação de necessidades como saúde, educação, infra-estrutura urbana (escola, luz, água, esgoto, coleta de lixo, etc.).

Vivendo em Espaços de Segregação Sócio-Espacial na Cidade do Crato-ce

O espaço urbano de Crato-ce apresenta uma estrutura espacial desigual, revelando áreas, onde se encontram pessoas com maior poder aquisitivo e áreas com locais onde moram segmentos sociais com menores níveis de renda.
Esse contexto demonstra o grau de exclusão e segregação social em que estão vivendo essas mulheres, pois viver em um setor afastado da cidade e considerado lugar com alto grau de marginalidade, para elas resulta também em serem discriminadas por outras partes (moradores) da cidade. Tal sentimento produz bastante influência em suas vidas, principalmente daquelas que já moram a mais tempo no bairro.
A maneira como esse espaço é estruturado atinge, de forma desigual, a todas as dimensões da vida da mulher. De acordo com as entrevistas realizadas com os moradores dos respectivos bairros, e analisando alguns processos que ocorrem na cidade do Crato-ce, podemos entender o espaço urbano como discriminatório e segregador da mulher:
           I - O tempo das mulheres na cidade está diretamente condicionado pelo seu papel social: como a mulher é a principal gestora do espaço e do cotidiano da família, ainda responsável pelo conjunto de tarefas da casa, da educação, saúde e alimentação, seus trajetos no espaço urbano são determinados por uma cotidiana luta contra o relógio, para que dê conta de todas as tarefas. As condições de transporte, o lugar da moradia, a falta de infraestrutura muitas vezes dificultam sobremaneira esse trajeto.
           II - os lugares públicos não são tão públicos assim: é comum ouvirmos falar que o lugar da mulher é no fogão. Na cidade de Crato-ce também é assim: os lugares da mulher são o supermercado, a feira, posto de saúde, a escola das crianças, verdadeira extensão do espaço privado da casa, do lar, ou seja, o espaço público admitido para as mulheres é o "espaço expandido do lar". A violência física e moral marcam o seu cotidiano e o seu medo pela rua.
           III - A cidade abre os braços à mulher agente do consumo e fecha as portas para a sua economia invisível: a cidade traz também esse grande paradoxo. Ao mesmo tempo em que é compreendida como o lugar onde se produz se consome mercadoria e acolhe a mulher como uma das principais agentes desse consumo, não consegue reconhecer o trabalho doméstico como produção social, embora a trabalhadora doméstica seja potencial consumidora, criando para ela sempre novas necessidades e projetando nela suas estratégias de consumo.
Assim, homens e mulheres, ainda que possam partilhar uma mesma situação de classe - como, por exemplo, por não terem acesso à moradia podem estar unidos na luta pela ocupação de uma determinada área do espaço urbano, vivenciam diferencialmente fatos do seu cotidiano devido à força da dimensão que constitui aquilo que podemos chamar de experiência de gênero.

Considerações finais

A categoria gênero como um dos principais elementos articuladores das relações sociais no contexto urbano, nos permite entender como os sujeitos sociais estão sendo constituídos cotidianamente por um conjunto de significados impregnados de símbolos culturais, conceitos normativos, institucionalidades e subjetividades sexuadas (Scott, 1990) que atribuem a homens e mulheres um lugar diferenciado no mundo, sendo essa diferença atravessada por relações de poder que conferem ao homem, historicamente, uma posição dominante.
O desafio de romper o esquema binário, em que o masculino e o feminino se constroem na oposição um ao outro, tem sido desafiante para o movimento feminista, que se propõe a desmontar um esquema construído numa lógica patriarcal que dificulta a percepção e construção de mundo de outras formas.
A desconstrução da polaridade masculino/feminino poderá ser útil para desmontar a lógica binária que rege outros pares de conceitos a ela articulados, tais como público/privado produção/reprodução, cultura/natureza etc. No processo de desconstrução, é necessário atentar para o fato de que o oposto da igualdade é a desigualdade, ao invés da diferença. Ao lado da proposta de desconstrução, está a de construir a lógica da diferença como elemento positivo, pautado na identidade e sem a desigualdade, considerando a diferença dos termos, mas mostrando que um está presente no outro, e, portanto, ambos podem ser equivalentes.
As diferenças entre homens e mulheres, ao se afirmarem, rompem a unidade, impossibilitando a existência de uma identidade masculina e de outra identidade feminina. Elementos como classe, etnia, religião, idade etc. atravessam a pretensa unidade de cada elemento do par, transformando em múltiplo o sujeito masculino ou feminino pensado no singular.

Referencias Bibliográficas

·      A face feminina da pobreza: sobre-representação e feminização da pobreza no Brasil. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br>, Acessado em: 15 de junho de 2011.
·      Algumas Evidências na Mudança do Perfil Populacional no Estado do Ceará na Última Década. Disponível em: <www.ipece.ce.gov.br>, Acessado em: 15 de junho de 2011.
·      Crato. Disponível em: <pt.wikipedia.org/wiki/Crato_(Cear%C3%A1) >, Acessado em: 15 de junho de 2011.
·      Censo Demográfico 2010. Disponível em: <www.ibge.gov.br/censo2010/>, Acessado em: 10 de julho de 2011.
·      Gênero e exclusão social. Disponível em: <http://www.fundaj.gov.br/tpd/113.html>, Acessado em: 04 de julho de 2011.
·      Relações de gênero em espaços sociais de segregação/exclusão. Disponível em: <http://www.fazendogenero.ufsc.br/9/resources/anais/1278264739_ARQUIVO_ArtigoFazendoGenero.pdf>, Acessado em 16 de junho de 2011.
·      SABOYA, Renato. Segregação espacial urbana. Disponível em: <http://urbanidades.arq.br/2009/05/segregacao-espacial-urbana/>, Acessado em: 18 de junho de 2011.
·      Segregação espacial. Disponível em:  http://pt.wikipedia.org/wiki/Segrega%C3%A7%C3%A3o_espacial>, Acessado em: 22 de junho de 2011.

Graduandos do Curso de Geografia do IV – Semestre
Disciplina – Geografia da População
Professor – João Ludgero Sobreira Neto

Um comentário:

  1. o artigo ficou muito bom pois fala de assuntos aue mostram a realidade de hoje da sociedade como po exemplo o crescimento urbano e a participaçao cada vez mais ativa das mulheres desenpenhando o papel de chefe de familia.

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